Tendo em conta que a Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) tem por missão proceder à recolha, tratamento e conservação do património documental português, em língua portuguesa e sobre Portugal, nos vários tipos de suporte em que este se apresente, bem como assegurar o seu estudo, divulgação e garantir a classificação e inventariação do património bibliográfico nacional, torna-se importante entender esta missão como uma realidade dinâmica, em cada momento orientada para a relevância da Instituição face ao ambiente externo em que se insere. Conservação e acesso continuam a ser, hoje como no passado, grandes linhas mestras por que se orientam as estratégias de gestão do património da BNP, enquanto entidade responsável pelas formas de conservação e controlo desse património, na sua qualidade de gestora da maior coleção nacional de tesouros bibliográficos cujo estudo e divulgação deve promover, através de projetos de colaboração interinstitucional no país e internacionalmente, exposições, atividades de investigação e publicações.

A coleção de documentos cartográficos da BNP abrange um largo período cronológico que vai da época dos descobrimentos (século XVI) até à atualidade, tanto em impressos como em manuscritos, das mais variadas tipologias, com representação do espaço a nível planetário, embora maioritariamente do espaço nacional e relacionado com os descobrimentos e as ex-colónias portuguesas.

A proveniência desta coleção remonta às origens da BNP, fundada em 1796, ao tempo designada por Real Biblioteca Pública da Corte, com o núcleo inicial proveniente de Biblioteca da Real Mesa Censória (criada em 1768). Para além das dotações, do orçamento régio, e de doações privadas, que ocorreram numa primeira fase, esta coleção foi englobando fundos muito diversificados, designadamente os provenientes das livrarias dos mosteiros e conventos extintos em 1834 e, num segundo momento, em 1910 com a implantação da República. As entradas de documentos por via da aplicação da lei de depósito legal, que continua em vigor, passaram a consignar a obrigatoriedade expressa de documentos cartográficos a partir de 1834 (Alvará de 28 de Maio).

No decurso de mais de dois séculos de existência institucional, muitas foram as proveniências dos documentos que deram origem às atuais coleções, cujas formas de entrada continuam a contemplar a integração de coleções de instituições que vão sendo extintas, de importantes doações, particulares ou institucionais, e de compras realizadas pela BNP. Salientam-se, apenas a título de exemplo, algumas das recentes aquisições, ocorridas já no século XXI, designadamente: a integração de documentação da extinta Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; a oferta realizada pela Fundação Calouste Gulbenkian, do monumental e notável mapa de Portugal1, da autoria de João Teixeira Albernaz I, datado de cerca de 1640; e a compra, em leilão, da primeira edição do primeiro mapa de Portugal, de Fernando Alvares Seco, impresso em Veneza e difundido em Roma por Michaelis Tramezini2, em 1561 (do qual se conhecem apenas cerca de 20 exemplares); e, ainda, a compra do mapa manuscrito do século XVIII, Mapa da demarcação Diamantina3, elaborado no contexto da exploração de diamantes no Brasil.

A criação de uma coleção individualizada de documentos cartográficos, dotada de espaço próprio e de uma equipa de funcionários dedicada ao seu processamento bibliográfico, guarda, gestão física, conservação e divulgação, ocorreu em 1976, com a criação da unidade orgânica designada por Área de Cartografia. O núcleo inicial da coleção foi constituído por um conjunto de documentos, sobretudo impressos, ao tempo considerados na categoria de documentos cartográficos, que até aí se encontravam armazenados no depósito das Coleções de Reservados. Atualmente, e a partir de 2011, as coleções de cartografia e iconografia são geridas por uma equipa comum, partilham um mesmo espaço de depósito e a unidade orgânica designada por Área de Iconografia e Cartografia está inserida na Direção de Serviços de Coleções Especiais da BNP.

1.  Organização física da coleção de documentos cartográficos até 1996

Convém aqui lembrar que tradicionalmente a arquitetura dos edifícios e a gestão das coleções de grandes bibliotecas foram, até tardiamente, pensados em função da grande preponderância de documentos textuais, encadernados, com dimensões mais ou menos estandardizadas, não contemplando as necessidades diferenciadas das coleções dos documentos de outros tipos e formatos especiais, nos quais se incluem os documentos cartográficos.

Desde o início da constituição de coleções autónomas de documentos cartográficos que a discussão da sua gestão física foi sempre colocada como uma questão fulcral, do ponto de vista do acondicionamento, manuseamento e conservação dada a enorme diversidade de formatos e de tipologia das coleções. Existem ainda vestígios de medidas que forçavam os formatos dos documentos cartográficos a transformar-se em formatos semelhantes ao dos livros, facilitando assim o seu acondicionamento nos módulos de estantes padronizados. Entre essas medidas podem referir-se quer a segmentação e corte de mapas, de grandes formatos, em quadrículas com colagem das mesmas em tecido, ou cartão, permitindo a sua dobragem em formato de livro, ou ainda, a agregação de mapas soltos, fora do seu contexto de publicação, que se reuniam em volumes encadernados4.  

No que se refere ao espaço de depósito5 as coleções cartográficas estiveram alojadas numa ampla sala, que originariamente não foi construída para estas funções, que serviu simultaneamente de depósito e de área de trabalho. Assim, e durante este período não foi possível implementar as condições do controlo de temperatura, humidade relativa e luz, adequadas às necessidades da coleção, por estas se tornarem incompatíveis com a presença dos colaboradores.

O mobiliário que foi implementado neste espaço e que serviu para acondicionar a coleção até 1996, contemplava as seguintes tipologias:

  • Módulos de estantes (iguais aos que se encontravam nos depósitos destinados a monografias) – para acondicionar a coleção de atlas, volumes encadernados, na posição vertical independentemente das dimensões;
  • Módulos de estantes com prateleiras estreitas, mas corridas e sem divisórias – para acondicionar as cartas enroladas com réguas de madeira, designadas por mapas parietais;
  • Armários horizontais de módulos de gavetas (de dimensões A1 e A0) – para acondicionar os mapas soltos, em alguns casos 50 por gaveta, uns sobre os outros sem nenhuma proteção e separação que facilitasse ou acautelasse o seu manuseamento.
  • Armários verticais (com barras metálicas de encaixe) – para acondicionamento das séries cartográficas. A inserção dos mapas neste mobiliário exigia a preparação prévia de um suporte de encaixe, composto pela colagem de uma tira de tecido que unia o mapa a uma faixa de cartão (designada por charneira, com 4 grandes orifícios que encaixavam nos 4 espigões metálicos onde os mapas ficavam suspensos).

No que se refere ao acondicionamento das obras no mobiliário, genericamente, por razões de conservação dos documentos e de economia de espaço, a BNP tem por princípio uma organização com base nas dimensões físicas das obras, ou seja, dentro de uma mesma tipologia, os documentos são organizados em conjuntos com dimensões muito próximas. Esta organização permite regular as distâncias da altura das prateleiras, em função das dimensões de grandes conjuntos de documentação e, no caso das obras mantidas na horizontal, uma distribuição uniforme de peso sem criar desníveis ou vincos, sobretudo em mapas soltos inseridos em gavetas de armários horizontais. 

2.  Conservação das coleções cartográficas: 1996-2018

Devido à natureza intrínseca das coleções cartográficas, uma parte significativa do tempo de trabalho da unidade orgânica foi alocada à gestão física das coleções, em estreita colaboração com a Área de Conservação da BNP. No período em análise, o tempo e as tarefas relacionadas com a gestão física das coleções aumentaram, significativamente, tendo em vista a concretização de um importante conjunto de medidas de conservação6. Estas medidas, que a seguir se discriminam, foram transformando, paulatinamente, as condições iniciais, inerentes ao seu tempo, nas condições de acondicionamento e disponibilidade em que hoje se encontra o património cartográfico da BNP. 

Durante o período observado, as coleções cartográficas foram sendo objeto de intervenções curativas visando deter os processos de degradação existentes e reforçar a estrutura do documento gráfico; ou alvo de intervenções de restauro, em casos de alteração ou perda significativa de legibilidade ou funcionalidade; e, ainda, foram sendo beneficiárias de ações de conservação preventiva que incluem medidas indiretas de atuação nas condições ambientais, nos tipos de acondicionamento e modos de armazenamento.

Todas as decisões assumidas relativamente à conservação das coleções cartográficas são baseadas no tipo de suporte dos documentos, nos materiais utilizados na mancha gráfica e no levantamento do seu estado de conservação distinguindo as patologias diagnosticadas como de origem externa e ou interna. Este diagnóstico é essencial uma vez que os documentos que compõem a coleção cartográfica da BNP se distinguem das coleções das monografias, que são a grande maioria da documentação existente na instituição – por se tratar de documentos que são, muitas vezes, compostos por materiais diversos. Como exemplo desta particularidade, encontramos mapas impressos em suporte de papel que são, muitas vezes, coloridos ou delimitados com tintas à base de pigmentos metálicos, com inscrições em tinta ferrogálica e com emendas coladas; ou um mapa (carta portulano) que devido ao seu anterior acondicionamento apresenta perfurações provocadas pelas tachas de fixação7; ou, ainda, atlas factícios que reúnem documentação em variado estado de conservação, de diferentes épocas e diferentes formatos, como foi o caso já atrás referido do conjunto de mapas de Portugal.

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Figura 1.
BNP, C.C. 1230 R. – Perfurações (assinaladas a cor de laranja) no pergaminho originadas pela fixação do documento com tachas metálicas.

Os principais suportes da documentação cartográfica são o pergaminho e o papel. O pergaminho tem como principais fatores de deterioração as flutuações dos valores de temperatura e humidade relativa do ambiente e, também, os roedores que os utilizam para a construção de ninhos. A sua utilização como suporte de escrita decaiu nos finais do século XVI mantendo-se como material de encadernação, sobretudo de arquivo, até aos séculos XVII e XVIII.

O suporte papel, que compõe a grande maioria da coleção cartográfica divide-se em dois grupos: papel de pasta de trapo (à base de fibras vegetais) e papel à base de pasta de madeira. Se a pasta de trapo é, sobretudo, afetada pelos insetos devido à sua elevada concentração de fibras vegetais que lhes servem de alimento, já o papel à base de pasta de madeira apresenta um rápido processo de deterioração provocado pelo processo de hidrólise ácida da celulose catalisada pelos agentes de poluição bem como pelas flutuações dos valores de humidade relativa e temperatura ou pela inadequada imposição desses valores nos depósitos.

Outro fator de deterioração relevante na coleção cartográfica da BNP são os materiais – tintas e pigmentos – utilizados na sua ilustração, decoração ou nos textos. Nesta coleção encontramos diversos documentos em que o suporte estaria estável não fosse a utilização de tinta ferrogálica ou de tintas à base de cobre (verdes) ou de ferro (vermelho) cuja oxidação das partículas metálicas provoca rasgões, lacunas ou até perda extensa de informação.

Mas as patologias observadas na coleção cartográfica não são apenas provocadas pelos agentes internos de deterioração. Também têm de considerar-se os agentes externos de deterioração. Nesta categoria incluem-se as más condições do meio ambiente, o incorreto manuseamento, as pragas, a incorreta exposição dos documentos, a falta de higienização, o vandalismo e o acondicionamento desadequado ou a sua falta.

Para melhorar as condições de conservação da coleção têm sido realizados diversos esforços pelas Áreas de Cartografia e de Conservação no sentido de impedir que os processos de deterioração progridam. Projetos de higienização, de acondicionamento, de correto armazenamento e de implementação de boas práticas na consulta desta coleção têm sido realizados ao longo do período em apreço.

2.1 Acondicionamentos
Em 1996, no que se refere à coleção de atlas foram adquiridos módulos de estantes com uma superfície maior de prateleiras. Este novo equipamento permitiu colocar na posição horizontal os volumes de grandes dimensões8, para evitar os danos visíveis provocados pela grande inclinação das lombadas, uma vez que se encontravam posicionados na vertical, sem qualquer tipo de apoio. Esta forma de acondicionamento é a que se mantém atualmente, no novo espaço de depósito. Neste núcleo de documentos, também a partir de 1996 e até à atualidade, os funcionários foram, paulatinamente, procedendo a outras intervenções de conservação, tais como a elaboração de cerca de 360 acondicionamentos, em caixas ou capas de proteção para obras em mau estado (algumas apenas com encadernações fragilizadas), cuja intervenção de restauro não era possível no imediato.

Relativamente à coleção de mapas soltos, também na segunda metade da década de noventa do século XX, foram adquiridos módulos de armários horizontais, para ganhar espaço de acondicionamento que contemplasse a proteção individualizada ou de conjuntos de mapas. Em simultâneo, foi decidido, entre as duas áreas (Área de Conservação e a Área de Cartografia) que a melhor forma de acondicionamento para os mapas avulsos antigos seria a elaboração de capas de cartolina acid free9 e poliéster10, unidas em três dos lados11 (inicialmente com fita adesiva dupla face e mais tarde por pressão térmica com uma máquina de selagem a quente, adquirida para o efeito). Esta proteção não só passou a dar suporte rígido aos documentos como, pela cartolina e abertura de um dos lados, a permitir uma melhor ventilação, evitando a criação de um microclima propício à formação de microrganismos. Este tipo de proteção tinha, aparentemente, todas as vantagens, uma vez que facilitava o trânsito da leitura sem nunca tocar no documento e permitia retirá-lo do acondicionamento sem o danificar.

No entanto, mais tarde, com a prática, verificou-se a necessidade de acondicionamentos alternativos, para mapas com informação no verso, ou seja, formados exclusivamente de poliéster, de forma a se poder aceder à totalidade da informação (através da transparência dos materiais) sem ter que retirar o mapa da bolsa.

Para alguns mapas mais recentes foram elaboradas capas exclusivamente em cartolina acid free onde se acondicionaram conjuntos de 5 a 10 mapas por cada capa. Para os mapas de maiores dimensões foram realizados acondicionamentos em rolo, com proteções de caixas triangulares, ou simples proteção com folhas de cartolina acid free.

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Figura 2.
Mapas de maiores dimensões enrolados e inseridos em caixas triangulares

Dado o enorme volume de trabalho que representou o acondicionamento da coleção (cerca de 5 500 mapas) os funcionários da Área de Cartografia receberam formação, na Área de Conservação, e uma grande parte deste tipo de acondicionamentos foi, e continua a ser, realizado na própria área. Neste sentido, em 2009, a BNP adquiriu duas seladoras a quente sendo uma atribuída à Área de Cartografia. Esta possibilidade permitiu que as bolsas de poliéster fossem construídas no próprio serviço, evitando-se a deslocação das espécies cartográficas entre a Área de Cartografia, situada no primeiro piso, e entre a Área de Conservação que se encontra situada no piso térreo da instituição. Esta melhoria permitiu que se evitasse o manuseamento e transporte em condições, por vezes difíceis e arriscadas, de mapas de grandes dimensões.

No que se refere à coleção de séries cartográficas, entre 1996 e 2013 mantiveram-se os procedimentos em uso, de colagem de charneiras para acondicionamento nos armários verticais. Face às características das séries cartográficas, este mobiliário oferecia a grande vantagem de permitir uma organização semelhante a um dossier, que se podia abrir em qualquer ponto e adicionar mais uma folha, permitindo assim a inserção das folhas das séries de forma organizada, à medida que iam sendo atualizadas, e uma grande facilidade de consulta das coleções. No entanto, na prática constatou-se que o manuseamento dos mapas pendurados nestes armários implicava sempre um risco para a sua conservação. Este risco relacionava-se não só com o facto do manuseamento das folhas implicar a sua passagem por um intervalo de espigões metálicos pontiagudos, como também pela deslocação das folhas nos suportes metálicos, que motivava a oscilação de peso e provocava falta de estabilidade do próprio mobiliário. Assim, face à inadequação deste sistema para o acondicionamento de coleções da BNP, todas as folhas das séries cartográficas foram transferidas para armários de gavetas horizontais.

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Figura 3. Séries cartográficas foram transferidas dos armários verticais para armários horizontais

As tarefas inerentes a esta mudança de mobiliário implicaram um volume com cerca de 6300 folhas (130 títulos), às quais foi necessário remover as charneiras. Na sua grande maioria estas folhas encontram-se hoje acondicionadas em capas de cartolina acid free, em conjuntos de um número variável de documentos, de acordo com as caraterísticas das séries (tais como: numero de quadriculas, edições e reimpressões do mesmo numero, dimensões, etc.). Excetua-se um pequeno número de folhas que, por corresponderem a séries cartográficas mais antigas e fragilizadas do ponto de vista da conservação, foram acondicionadas em bolsas de poliéster feitas à medida, realizadas pela Área de Cartografia.

2.2 Higienização e relatório de diagnóstico de conservação das coleçõ
No decurso do triénio de 2005 a 2008 procedeu-se à higienização profunda e sistemática da totalidade das coleções (orientada pelos técnicos da Área de Conservação) com uma máquina de limpeza12 que para o efeito foi instalada provisoriamente na Área de Cartografia tendo os colaboradores recebido formação para o efeito. Paralelamente, foi sendo efetuada a análise das obras e elaborado um diagnóstico do estado físico de conservação das coleções13, que teve como resultado final um relatório que incluiu uma listagem de obras propostas para intervenções de restauro, organizada de acordo com prioridades definidas em função do binómio mau estado de conservação / frequência de pedidos de leitura14.

2.3 Restauro
O restauro de alguns documentos – tais como mapas colados em tela e envernizados, ou  fólios de atlas em que os continentes e/ou países já estão “recortados” pela tinta que marca as fronteiras e danificados pelas tintas ferrogálicas – tornou-se de tal modo oneroso (binómio tempo / custo) para as instituições patrimoniais que nem sempre é possível concretizar essas intervenções.

No entanto, existem exceções baseadas na importância dos documentos cartográficos e no seu estado de conservação. As intervenções de restauro realizadas, no período em análise, foram as seguintes:

a) Intervenções totais de conservação e restauro – 110 documentos cartográficos. Estas intervenções incluem o levantamento do estado de conservação; o levantamento fotográfico antes e após a intervenção; a colação no caso de atlas e álbuns; a limpeza por via mecânica; a limpeza por via húmida; a estabilização físico-química; a reintegração e consolidação do suporte; a reintegração cromática; a digitalização; a encadernação e o acondicionamento.

b) Intervenções parciais de conservação curativa – 42 documentos cartográficos. Nestes casos, efetua-se o diagnóstico do estado de conservação dos documentos gráficos, o levantamento fotográfico, a limpeza por via mecânica, a limpeza por via húmida pontual, o reforço ou consolidação de áreas fragilizadas ou de rasgões e acondicionamento, tais como os exemplos que apresentamos nas imagens das figuras 4 e 5, de um atlas do século XVI, de Lucas Jansz Waghenaer15.

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Figura 4.
BNP, C.A. 43 V. – Preenchimento de lacunas provocadas por insetos (pormenor assinalado a cor de laranja).

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Figura 5. BNP, C.A. 479 V. – Imagens de pormenor de antes e após a intervenção de conservação e restauro

2.4 Digitalização
Considerando que a digitalização é também uma medida de conservação preventiva muito importante, uma vez que permite o acesso à imagem da documentação evitando manusear o documento físico, cabe aqui lembrar o grande investimento realizado pela BNP, no período temporal considerado, e que já foi objeto de uma comunicação, no VI Encontro IBERCARTO 2014, realizado em Madrid. Esta comunicação (FEIJÃO; PATRICIO, 2014) relatou a evolução dos processos de digitalização, bem como os quantitativos de documentos cartográficos digitalizados até 2014, aos quais se acrescentam agora 461 títulos e 10 289 imagens. Atualmente cerca de 33% da totalidade da coleção já se encontra digitalizada e com imagem disponível no catálogo em linha, com uma elevada representação para os documentos antigos, até ao século XIX, o que é manifestamente relevante em termos de conservação.

3. O novo espaço de depósito e casa forte: 2013-2016

A obra de ampliação e remodelação técnica da Torre dos Depósitos da BNP, concluída em 2012 e que incluiu a renovação de todos os sistemas técnicos, veio responder à necessidade premente de recolocação das coleções especiais, entre as quais a coleção cartográfica, em áreas próprias para depósito e à readequação das respetivas condições de conservação e segurança. A partir de 2013 as coleções cartográficas encontram-se instaladas num espaço de depósito construído para o efeito, onde foi introduzido mobiliário adequado aos documentos que alberga.

Com este novo espaço de depósito as coleções cartográficas passaram a beneficiar de melhorias significativas em matéria de condições ambientais: qualidade do ar por filtragem e valores de temperatura e humidade relativa controlados centralmente16; iluminação por deteção de presença, com proteção UV e pensada para não permitir entradas diretas de luz; e controlo integrado de pragas através da colocação de armadilhas multi-insetos monitorizadas mensalmente pela Área de Cartografia cujos resultados são reportados à Área de Conservação para verificação das espécies e eventual ação posterior. 

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Figura 6. Imagens do novo depósito da Área de Cartografia.

No que se refere às condições de segurança das coleções, o novo espaço de depósito passou a oferecer condições profundamente melhoradas em vários aspetos. Em termos de acesso, passou a haver movimento controlado de pessoas, através de sistema de videovigilância, complementado por sistema de alarme de intrusão. No que respeita a proteção contra incêndio, e para além de sistema de deteção e alarme, o espaço dispõe de: portas de compartimentação corta-fogo que em caso de deteção de incêndio permitem isolar a área de ocorrência; sistema de combate a incêndio através de carretéis profissionais ligados a reservatório próprio e exclusivo do edifício de depósitos das coleções; e sistema automático de desenfumagem que possibilita a permanência no espaço do pessoal que opera na operação de combate.   

Recentemente, em Outubro de 2016, procedeu-se à transferência dos documentos cartográficos mais valiosos para o espaço da Casa Forte da BNP. Este novo espaço, situado no piso -1 da zona nova da torre de depósitos, foi construído para salvaguarda de documentos de elevado valor patrimonial, considerados na categoria de «tesouros». O sistema de acondicionamento que aí foi implantado inclui estantes compactas metálicas, para volumes encadernados, e módulos de estantes com prateleiras, de grande profundidade que permitem a instalação horizontal da documentação de grande formato. Este espaço foi construído como uma estrutura antissísmica, com paredes e placas compactas de 60cm de betão e ferro à prova de invasão, e foi dotado de portas blindadas certificadas17 com um nível máximo de resistência ao arrombamento. Para além dos sistemas de deteção de intrusão, de videovigilância, de controlo da qualidade do ar e dos níveis de temperatura e humidade, a casa forte está ainda dotada de um sistema de prevenção de incêndios por injeção de ar hipóxico que, por resultar numa atmosfera com baixa concentração de oxigénio, torna o ambiente incombustível.

4.    Últimas considerações

No período retratado, de cerca de 30 anos, é possível observar que a Área de Cartografia foi evoluindo de ações pontuais de conservação para o estabelecimento de um programa de conservação continuado e consistente, assumido como parte integrante das atividades de gestão da coleção.

Esse programa contempla, em primeiro plano, a manutenção de todas as vertentes da conservação preventiva e, sempre que justificado e viável, ações de restauro em documentos considerados mais importantes na coleção e cujo diagnóstico revele necessidades de intervenção com vista a recuperar e manter a sua informação e condições de usabilidade.

Em articulação com este programa, prossegue a digitalização tão sistemática quanto possível, essencial para se cumprirem os dois objetivos fundamentais que se pretendem na gestão da coleção: por um lado, potenciar o acesso e difusão deste património e, por outro, ao reduzir drasticamente o manuseamento dos documentos físicos, contribuir para a sua conservação a longo prazo.   

Notes

1. Mapa manuscrito, em seis folhas coladas, em pergaminho, com uma área de 3 m2 (132×234 cm). Cota: BNP IL. 239. Com imagem disponível em: http://purl.pt/23505

2. Com a cota: BNP C.C. 950 V. Com imagem disponível em: http://purl.pt/16623

3. Com a cota: BNP C.C. 1916 A. Com imagem disponível em: http://purl.pt/22667

4. Habitualmente designados por atlas factícios. Só para dar um exemplo, ainda hoje se encontram agregados num volume encadernado um conjunto de mapas de Portugal com datas de publicação distanciadas em cerca de 150 anos (séculos XVI, XVII e XVIII), a saber:  [Mapas de Portugal]. [1561-1710]. 12 mapas, em 14 folhas. Cota BNP: C.A. 15 R. Com imagem disponível em: http://purl.pt/786

5. Entre 1976 e 2013, respetivamente: data em que as coleções migraram do depósito das coleções de reservados para um espaço individualizado e a data de transferência das coleções para o novo depósito

6. Segundo a definição do ICOM-CC (2008) entende-se por conservação todas as medidas e ações que tenham como objetivo a salvaguarda do património cultural material, assegurando o seu acesso às gerações presentes e futuras respeitando, sempre, o significado e as propriedades físicas dos bens culturais. A conservação abrange a conservação preventiva, a conservação curativa e o restauro.

7. [Carta do Atlântico Norte]. [Ca 1550]. Mapa : manuscrito, em pergaminho, color. Cota BNP: C.C. 1230 R. Com imagem Disponível em: http://purl.pt/5053

8. Dimensões de lombada superiores a 45 cm

9. Com gramagens diferenciadas, face às dimensões dos documentos. Entende-se por cartão acid free, cartão isento de ácidos e com um tampão alcalino que permite que o processo de acidez da celulose seja muito lento e seja, por essa razão, indicado para a realização de acondicionamentos de conservação de documentos gráficos.

10.  Poliéster comercializado por empresas de materiais de conservação com a referência comercial de Melinex® ou de Mylar®.

11. Posteriormente nos mapas de grandes dimensões optou-se por unir apenas 2 lados, em «L», para facilitar o manuseamento.

12. Máquina de limpeza – máquina que permite, por sucção, que a sujidade retirada da documentação se deposite nos filtros com que vem equipada.

13. Este levantamento teve por base o preenchimento de uma ficha individual para cada documento, elaborada em colaboração com o Área de Conservação e que contemplava uma variedade de critérios, tais como: raridade, valor, tipologia, encadernação e caraterísticas técnicas e físicas do documento.

14. Em conformidade com as necessidades de restauro efetuou-se o levantamento das obras solicitadas (quer para a leitura, quer para exposições) nos cinco anos anteriores, para poder cruzar estes dados e, em igualdade de circunstâncias, estabelecer prioridades em função deste critério.

15. Respetivamente da edição em holandês, de 1585 (Spieghel der Zeevaerdt vande navigatie der Westersche Zee … Ghedruct tot Leyden : Christoffel Plantijn. Cota: BNP C.A. 43 V., com imagem disponível em: http://purl.pt/27806 ), e da edição latina, de 1591 (Speculum nauticum super navigatione maris Occidentalis … Antuerpiae : Apud Ioannem Bellerum ad intersigne Aquilae Auriae.  Cota: BNP C.A. 479 V., com imagem disponível em: http://purl.pt/24046).

16. Mantendo valores médios de 45-55% de humidade relativa de 19-22ºC de temperatura.

17. De acordo com a norma europeia EN1143-1, com especificações que correspondem ao grau de segurança exigido para uma casa forte.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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