1. Os serviços digitais na Biblioteca Nacional de Portugal

De acordo com Smith (2001), um programa de digitalização deve apresentar certas características intrínsecas: a) estar integrado na estrutura orgânica da instituição; b) estar centrado, principalmente, na prossecução de objetivos relacionados com a missão institucional e; c) ser financiado por fluxos previsíveis de recursos financeiros.

A construção de um programa de digitalização sustentável, totalmente integrado nas estratégias tradicionais de desenvolvimento de coleções de uma biblioteca, ocorre quando se verifica um alinhamento com a missão da biblioteca e no momento em que a estrutura orgânica passa a contemplar uma unidade orgânica dedicada ao desenvolvimento de serviços digitais.

A digitalização de documentação da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) nasce, na década de noventa do século 20, associada à construção de sites temáticos. Estes surgem da necessidade de divulgar o resultado de trabalhos pontuais, delimitados no tempo e contextualizados, normalmente associados a temáticas definidas com o objetivo de comemorar efemérides ou como complemento à realização de exposições bibliográficas. Resultaram de oportunidades de financiamento no âmbito de projetos nacionais, interinstitucionais, comunitários ou internacionais (Patrício, 2010).

Com o aparecimento das designadas bibliotecas digitaisi, a BNP dá entrada numa nova fase: um serviço digital que envolve a conversão do objeto, a sua disponibilização e a gestão de conteúdos. (Feijão, 2014) Os processos de digitalização e disponibilização em linha passam a exigir a definição de critérios e procedimentos técnicos: “definição de políticas e procedimentos consistentes, capazes de assegurar a sustentabilidade técnica e organizacional de um serviço regular de criação, disponibilização e gestão de conteúdos digitais” (Feijão, 2014). A oportunidade da interoperabilidade e integração de informação e serviços entre diversas bibliotecas digitais é o resultado da adoção de normas técnicas e standards.

1.1 As primeiras experiências: projetos de digitalização de documentação cartográfica da BNP

  • No período compreendido entre 1998-2000 é de realçar o projeto de digitalização de mapas do Brasil, Cartografia do Brasil nas Coleções da Biblioteca Nacional 1700-1822, no âmbito das comemorações dos 500 anos da Descoberta do Brasil. Esta iniciativa resultou de uma parceria com a Comissão para as Comemorações dos Descobrimentos Portuguesesii. Com descrição bilingue, é um produto que se assemelha a um catálogo impresso com vários índices de pesquisa, um site de conteúdos estáticos, configurado em torno de 5 núcleos que foram transpostos da exposição bibliográfica realizada. Apresenta a desvantagem de não possibilitar atualização ou integração na base de dados bibliográfica da BNP. (Feijão, 2014);
  • Entre 2004-2005 foram digitalizados cerca de 1100 documentos cartográficos (1000 mapas e 100 atlas) integrados num projeto de digitalização com financiamento comunitário. Foram selecionadas as representações do espaço geográfico nacional, da Península Ibérica e espaços não europeus relativos ao espaço temporal em que estiveram sob administração portuguesa;
  • Ao contrário do projeto anterior que obrigava à inserção manual de dados e conteúdos, o projeto europeu “DIGMAP – Discovering our past world with digitized Maps” (2006-2008), reutilizou informação já existente, extraída da base de dados da BNP com o objetivo de gerar outras formas de explorar e reutilizar os recursos cartográficos. Resultou no desenvolvimento de um novo software em código aberto, na construção de um portal, e na digitalização de um núcleo de documentos cartográficos.

1.2 O surgimento da Biblioteca Nacional Digital e uma nova fase de disponibilização sistemática de documentos cartográficos

Numa primeira fase, as bibliotecas digitais constituíram-se como entidades independentes e distintas das bibliotecas tradicionais. A convergência com as coleções e serviços das bibliotecas tradicionais e a integração na infraestrutura das organizações ocorre numa segunda fase (Patrício, 2010).

Em 2002 a Biblioteca Nacional Digital (BND) acompanha o desenvolvimento de vários projetos ligados às bibliotecas digitais e surge para dar acesso online aos conteúdos digitaisiii. Duas iniciativas de colaboração são cruciais para compreender a história da BND na BNP. A primeira, em 1990, envolve um acordo de cooperação de um consórcio de bibliotecas nacionais europeias para investigar a utilização de CD-ROM como meio de distribuição e utilização de dados bibliográficos nacionais (The European National Libraries Cooperative Project on CD-ROM). O segundo momento coincide com o início de um projeto-piloto da sociedade da informação global, Bibliotheca Universalis, uma iniciativa do G-7, que tinha como objetivo proporcionar o acesso ao património cultural mundial digitalizado pelas bibliotecas.  A BNP juntou-se a esta parceria, constituída por onze bibliotecas nacionais, pouco depois do seu início, em 1995 (Dalbello, 2008).

O projeto de criação da BND obteve financiamento comunitário e “caracterizou-se por uma forte aposta na inovação e experimentação tecnológica, numa época marcada pela ausência de software comercialmente disponível para os diferentes processos desta área: captura e geração de imagens, produção de metadados, publicação em linha, gestão de armazenamento digital, etc.” (Feijão, 2014).

Em 2006 no contexto da reforma da administração pública e das prioridades inscritas no Plano Estratégico da BNP (2007-2010), a instituição ultrapassa a fase experimental e implementa um serviço dedicado, de produção e gestão de conteúdos digitais, com estruturas técnicas e organizacionais dedicadas. (Patrício, 2010) Esta nova política de digitalização vai ao encontro da missão da BNP de proteção e valorização do património bibliográfico português, criando os ambientes mais favoráveis à sua fruição.

Entre 2007 e 2014 opera-se a reestruturação orgânica da BNP, e com a criação da unidade orgânica dedicada à produção e gestão de conteúdos digitais, integrada e em articulação com outras unidades orgânicas, passa a ser possível o desenvolvimento de processos de digitalização de conteúdos de forma sistemática, contínua e consistenteiv.

Em 2012 a representação de obras digitalizadas constituía um universo reduzido. Podemos observar no gráfico 1 a distribuição que ocorria nas coleções complementares da BNP (música, iconografia e cartografia). Por tipologia documental, na coleção de cartografia, verificava-se uma maior representação de imagens cartográficas relativamente ao material textual cartográfico (8501 e 459, respetivamente).

Gráfico 1: Número de imagens e títulos por coleção complementar (dez. 2012). Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal (2012).
Gráfico 1. Número de imagens e títulos por coleção complementar (dez. 2012). Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal (2012).

2. O Mecanismo de Recuperação e Resiliência e o Plano de Recuperação e Resiliência

No âmbito do Next Generation EU, um instrumento extraordinário e temporário de recuperação, a nível económico e social dos Estados-Membros da União Europeia, elaborado pelo Conselho Europeu para mitigação dos graves impactos da pandemia nas economias europeias, foi criado o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) no Regulamento (UE) 2021/241, de 12 de fevereiro, e que enquadra o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O MRR representa um pacote financeiro no montante de 672,5 mil M€ (GEPAC, 2023).

O PRR português é o programa de aplicação nacional, com um período de execução até 2026, que foi equacionado para pôr em prática um conjunto de reformas e de investimentos que vão permitir retomar o crescimento económico sustentado, reforçando o objetivo de convergência com a Europa. Financiado por recursos no valor de 16,6 mil M€, distribuídos por cerca de 14 mil M€ de subvenções e 2,7 mil M€ de empréstimos, e com um perfil de desembolsos que permite a liquidez necessária para que o PRR possa funcionar como instrumento efetivo de reposta à crise.

O PRR assume-se como um dos instrumentos de financiamento de uma Estratégia global mais vasta que cobre um horizonte temporal mais alargado – a Estratégia 2030, constituindo uma das fontes de financiamento mais relevantes para dar resposta às agendas estratégicas da Estratégia 2030 definidas para a corrente década.

As vinte componentes e as respetivas reformas e investimentos foram agrupadas, no PRR, em torno de três dimensões estruturantes: a Resiliência, a Transição Climática e a Transição Digital. A Transição Climática e a Transição Digital representam uma absorção de financiamentos de 33% do total do programa, enquanto a dimensão Resiliência, que engloba a vertente das vulnerabilidades sociais, a resiliência económica e a resiliência territorial, absorve 2/3 dos recursos do PRR.

2.1 O PRR e a Componente Cultura

Enquadrada na dimensão Resiliência, a componente Cultura (C4) inclui, entre outros, investimentos em redes culturais, na transição digital (plataformas e conteúdos) e na valorização, modernização e requalificação de equipamentos e Património Cultural. O impacto estimado reflete essencialmente o efeito nas infraestruturas culturais, fruto do investimento público associado. A Componente 4 do PRR, “pretende valorizar as artes, o património e a cultura enquanto elementos de afirmação da identidade, da coesão social e territorial e do aumento da competitividade económica das regiões e do país através do desenvolvimento de atividades de âmbito cultural e social de elevado valor económico.” (GEPAC, 2023: 4) O plano prevê um investimento de 243 M€ em património cultural, com um período de execução até 2026.

Esta componente de investimento permitirá dotar o setor de uma maior sustentabilidade financeira e económica, aumentando a sua resiliência e tornando-o mais resistente a choques futuros. A capacitação do setor incrementa a sua diferenciação, o que levará à melhoria da sua performance e à criação de novas dinâmicas e novos negócios. Este paradigma é condição para que o setor seja mais resiliente face a choques como aquele que a crise de 2019 provocou.

A componente Cultura (C4) visa abordar desafios específicos:

  • Promoção da transição digital das redes culturais através da sua modernização tecnológica e da digitalização de artes, literatura e património, num montante de 92,8 M€;
  • Valorização, salvaguarda e dinamização do património cultural, no sentido amplo de património cultural material, imaterial e natural, num montante de 150,5 M€

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 29-B/2021, de 4 de maio, o Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais constitui-se como «Beneficiário Intermediário», sendo uma das entidades públicas globalmente responsáveis pela implementação física e financeira das reformas e de investimentos inscritos na Componente 4 Cultura do PRR, competindo-lhe a operacionalização da componente de Investimento RE-C04-i01 “Redes Culturais e Transição Digital” (Gepac, 2023).

Com este propósito, foi assinado o contrato de financiamento entre a Estrutura de Missão Recuperar Portugal e o GEPAC no dia 21 de outubro de 2021, no qual se prevê a concessão do apoio financeiro destinado a financiar a realização da Componente Investimento RE-C04-i01, designado por “Redes Culturais e Transição Digital”, enquadrado na Componente C04 – Cultura, do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR).

Esta componente de investimento subdivide-se em três medidas:

  • A modernização da infraestrutura tecnológica da rede de equipamentos culturais – teatros, cineteatros, cinemateca, museus, centros de arte, bibliotecas, Torre do Tombo, Biblioteca Nacional, laboratórios de conservação e restauro, Arquivo Nacional da Imagem em Movimento, instalação do Arquivo Nacional do Som – públicos, de âmbito nacional e municipal. Este investimento a nível nacional permitirá capacitar tecnologicamente a rede de equipamentos culturais, quer ao nível de software, hardware e de recursos qualificados, apoiando a transição digital da rede de equipamentos públicos de cultura;
  • A digitalização de artes e património – cinema, teatro, artes plásticas, música, dança, livros, fotografia, património sonoro, arquivos históricos. É necessário incrementar a taxa de digitalização de obras artísticas e de património cultural em Portugal, em especial na arte contemporânea, no património cultural (em particular nos museus e monumentos nacionais) e no cinema, o que permitirá melhorar a experiência do público e assegurar a preservação futura de obras de arte e de património cultural;
  • A internacionalização, a modernização e a transição digital do livro e dos autores – apoio à língua portuguesa e aos agentes ligados à cadeia de produção e comercialização do livro, isto é, autores, editores e livrarias, através do apoio à tradução de obras literárias, à edição de audiobooks e ebooks, bem como à modernização e transição digital das livrarias.

2.2 A BNP e o PRR

Através da execução da medida C04-i01-m02 – Digitalização de Artes e Património da componente de investimento RE-C04-i01 – Redes Culturais e Transição Digital, procura-se incrementar a taxa de digitalização de obras artísticas e de património cultural em Portugal. (GEPAC, 2013: 4)

Para concretização da medida C04-i01-m02, foi celebrado, em dezembro de 2021, entre o GEPAC e a Biblioteca Nacional de Portugal, o contrato de concessão de apoio financeiro destinado a financiar a realização da medida 7, “Digitalização e virtualização de espólio (20 milhões de imagens) de bibliotecas públicas (Biblioteca Nacional de Portugal e Biblioteca Pública de Évora)”, nos termos da Orientação Técnica Nº3/C4-i01/2021, enquadrados na Componente 4 Cultura do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), negociado entre o Estado Português e a Comissão Europeia e aprovado em 16 de junho de 2021 (GEPAC, 2023: 3).

O montante global do projeto é no valor de 7,4 milhões de euros, a executar entre 2022 e final de 2025, e destina-se à aquisição de imagens digitais, e do equipamento informático, software e serviços especializados indispensáveis ao armazenamento e publicação das mesmas.

2.2.1 Objetivos gerais

A operação “Digitalização e virtualização de espólio (20 milhões de imagens) de bibliotecas públicas (BNP e Biblioteca Pública de Évora) permitirá à BNP digitalizar de forma sistemática e em larga escala um conjunto de documentação única, rara, ou em risco, que poderá ser disponibilizada ao público de forma universal e gratuita: “esta disponibilização é de grande relevância para a investigação, para o ensino, para a internacionalização destes bens culturais e para a sua preservação (Gepac, 2023: 4).

Com um investimento de 7400 mil M€, a BNP encontra-se num processo de virtualização as coleções patrimoniais. O projeto apresenta como objetivos gerais:

  • Dar acesso online, público e universal, à maioria das coleções mais relevantes do património da BNP e da BPE, até agora só consultáveis localmente;
  • Melhorar drasticamente as condições de conservação dos documentos, protegendo-os dos efeitos do acesso direto aos originais;
  • Incrementar exponencialmente a massa crítica de conteúdos da cultura e língua portuguesas na Internet.

Resultados esperados:

  • Crescimento da BND;
  • Conservação das coleções;
  • Segurança das coleções;
  • Controlo das coleções.

Na seleção dos recursos a digitalizar, foi dada prioridade à documentação manuscrita, impressos antigos e microfilmes. Foram definidos os seguintes critérios de prioridade para seleção das obras a digitalizar:

  • Obras no domínio público, que podem ser disponibilizadas livremente na internet;
  • Obras raras ou com características únicas;
  • Obras frágeis, com necessidade de cuidados especiais de preservação e manuseamento: materiais em maior risco de perda e mais difícil conservação ou que possam ser danificados pelo manuseamento dos utilizadores.
  • Conteúdos em suporte alternativo obsoleto (microfilme).

2.2.2 Investimento e estimativa resultados globais

De acordo com o plano de execução física e financeira da BNP (tabela 1), prevê-se um crescimento da BND em cerca de 500%. O número total de imagens disponíveis em 2021 era inferior a 5 milhões de imagens.

Tabela 1: Previsão de investimento financeiro e imagens produzidas. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal, 2021.

Anos Investimento N.º imagens
2022 740 000 € 2 000 000
2023 2 220 000 € 6 000 000
2024 2 960 000 € 8 000 000
2025 1 480 000 € 4 000 000
7 400 000 € 20 000 000

Tabela 2. Previsão de resultados por tipologia documental (2021) e revisão de estimativa (2023). Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal (2021); GEPAC (2023: 5).

Coleções

Estimativa n.º imagens

(Biblioteca Nacional de Portugal, 2021)

Estimativa n.º imagens

(Gepac, 2023)

Reservados manuscritos BNP 5 500 000 3 000 000
Reservados manuscritos BPE 1 600 000 1 600 000
Reservados espólios (ACPC) 300 000 500 000
Reservados impressos 2 000 000 9 000 000
Música 500 000 540 000
Cartografia e iconografia 100 000v
Microfilmes (jornais) 10 000 000 5 000 000
Jornais e revistas 360 000
20 000 000 20 000 000

Constituem-se como despesas elegíveis as seguintes tipologias de despesa (GEPAC, 2023: 5):

  • Aquisição de imagens digitais das coleções patrimoniais da BNP e BPE (com digitalização e produção dos objetos digitais a partir do acervo patrimonial da BNP e BPE);
  • Aquisição de equipamento informático;
  • Aquisição de software;
  • Outros trabalhos especializados, nomeadamente, trabalhos especializados de descrição, restauro e preparação dos originais, serviços de apoio informático e tarefas de controlo de qualidade das imagens.

A digitalização está a ser efetuada com recurso à contratação de um prestador de serviços externo. O prestador de serviços trabalha nas instalações da BNP tendo transferido para a instituição os equipamentos e recursos humanos.

3. A coleção de cartografia e o PRR

3.1 Previsão de crescimento da coleção

Está prevista a digitalização da coleção de Atlas e da coleção de Mapas, com especial incidência no conjunto de produção cartográficas editada até 1930. Com a previsão de um resultado global de cerca de 120 000 imagens, verificar-se-á um acréscimo aproximado de 70%, relativamente ao número de imagens disponíveis no final do primeiro semestre de 2024, conforme se pode observar na tabela 3 e tabela 4.

Tabela 3. Número de obras/imagens com PURL a 1-05-2024. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal (2024).

Coleção Títulos Imagens
Iconografia 20439 46 243
Cartografia 2 332 39 998

Tabela 4. Caderno encargos – grandes formatos (lote 3). Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal (2024).

Títulos Imagens
3 – Livros de Coro, cartografia e iconografia
(grandes formatos)
Livros de Coro 357 89 250
Cartografia 2 118 120 000
Iconografia 36 241 108 000
Total lote 38 716 317 250

A seleção de recursos a digitalizar, na coleção de cartografia, teve por base o primeiro critério de prioridade definido: obras no domínio público que podem ser disponibilizadas livremente na internet.

O critério de digitalização de todas os itens anteriores a 1930, apresenta dupla vantagem: por um lado obviou os morosos e complexos processos seleção, que exigem o inevitável esforço intelectual subjacente à avaliação. Por outro lado, apresenta desafios em termos de dimensão, já que passa a constituir um conjunto suficientemente volumoso e coerente de “massa crítica” e que cria valor acrescentado. O inter-relacionamento dos documentos potencia a pesquisa, atrai mais utilizadores e possibilita a integração em redes: “a magia da massa crítica, em teoria, é que, se conseguirmos colocar um número suficiente de itens relacionados numa base de dados comummente pesquisável, então criámos uma coleção que é mais rica na sua instanciação digital do que no seu original analógico. Esta premissa baseia-se na noção de que a tecnologia tem um poder transformador – que pode não só recriar uma coleção em linha, mas também dar-lhe novas funcionalidades, permitir novos objetivos e, em última análise, criar públicos que a disponibilizem para novas consultas” (Smith, 2001: 17).

3.2. Procedimentos e fluxo de trabalho

De assinalar que ao contrário do que sucede na coleção de iconografia em que ainda decorrem trabalhos de tratamento técnico para colocação dos respetivos dados em linha, relativamente à área de cartografia e excluindo a catalogação de itens isolados que dão entrada na coleção e que preenchendo o critério de prioridade, atrás enunciado, podem ser incluídos nas listas de controlo, a coleção de cartografia detém este requisito de elegibilidade, à data do início do projeto.

As atividades preparatórias em projetos de digitalização são frequentemente subestimadas e devem ser cuidadosamente tidas em conta no planeamento de um projeto desta natureza: “Os materiais estão efetivamente disponíveis? Existem objeções de conservação à digitalização dos originais? … Existe pessoal suficiente para retirar as obras? Estão disponíveis funcionários com formação académica ou bibliográfica para efetuar verificações de exaustividade ou cotejamentos …?” são algumas questões que devem ser colocada. (German Research Foundation, 2009).

Tendo em conta que a digitalização é um processo que envolve as equipas em múltiplas frentes foi necessário definir uma metodologia que implicou:

  • Priorização de tarefas;
  • Foco e proatividade no plano de trabalho estabelecido: prazos, antecipar problemas, procura de soluções;
  • Flexibilidade para realização de tarefas não contempladas na rotina;
  • Capacidade de ajustamento para dar resposta rápida aos imprevistos.

O levantamento preparatório da documentação (tipologia física, estado da documentação, número de imagens) foi realizado em estreita colaboração com a Diretora de Serviços das Coleções Especiais, Helena Patrício, responsável pela preparação do caderno de encargos e extração das primeiras listas de controlo. A Área de Iconografia e Cartografia (AIC) deu resposta aos pedidos de informação solicitados. A título de exemplo apresentamos a tabela 5, relativa aos formatos dos documentos, que exigiu um aturado trabalho de confronto com as várias dimensões das séries de cotas usadas para o acondicionamento da coleção (tabela 6).

Podemos observar através da tabela 6 a identificação de 1% de obras em mau estado, mas cujo processo de reprodução do original permite a digitalização, ainda que parcial. Nestes casos está prevista a presença de um elemento da equipa da AIC de forma a acautelar o correto manuseamento da obra.

Tabela 5. Distribuição por formatos da coleção de cartografia (atlas e mapas até 1930). Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal (2023).

Títulos total Imagens total Até A3 A2 A1 > A1 Enc. Avulsos Lombada > 11cm Mau estado
2 118 130 164 37% 18% 33% 12% 127200 2964 0 1%

Tabela 6. Dimensões das séries de cartografia. Fonte: Biblioteca Nacional de Portugal (2024).

Série                                                          Dimensões da obra (cm)
Documentos cartográficos avulsos
P1 Preto 1 Até 24,5×32,50 cm
P2 Preto 2 > 24,5×32,50 e até 32,50 x 44,50 cm
V. Vermelho > 32,50 x 44,50 e até 43,50 x 59,50 cm
A. Azul >43,50 x 59,50 e até 59,50 x 81,50 cm
R. Roxo > 59,50 x 81,50 e até 81,50 x 116,50 cm
Enr. Enrolado > 81,50 x 116,50 cm

  Documentos cartográficos encadernados

P. Preto Até 30 cm
V. Vermelho > 30 e até 45 cm
A. Azul > 45 e até 60 cm
R. Roxo > 60 cm

  Mapas dobrados

V. Vermelho Até 45 cm
A. Azul > 45 e até 60 cm
R. Roxo > 60 cm

A seleção dos exemplares e a preparação física dos originais (verificação dos originais, a seleção de exemplares duplicados, cotação, colocação de NCB) assim como a revisão das listas de controlo foram assumidas pela equipa da AIC tendo a anterior Responsável pela Área, Joaquina Feijão sido um elemento precioso nesta fase.

De assinalar que a verificação de duplicados para evitar digitalizações redundantes configurou um processo demorado, e fez reduzir o n.º de títulos e imagens inicialmente previsto. A partir das listas extraídas da base de dados bibliográfica Horizon foi necessário verificar a existência de exemplares repetidos que posteriormente foram removidos das listas de controlo. Este exercício exaustivo permitiu fazer descer o potencial número de digitalizações duplicadas e simultaneamente possibilitou a escolha da cópia ideal, excluindo a seleção de obras truncadas. Paralelamente foram identificadas as obras fragilizadas estando o respetivo exemplar sinalizado.

Apresentamos a lista de tarefas implicadas em cada fase do projeto, retiradas do plano de trabalho delineado para o lote 3, constituído por grandes formatos de obras das áreas de cartografia, iconografia e música:

i) Preparação do caderno de encargos

  • Extração das listas a partir da base de dados bibliográfica Horizon (obras por digitalizar e obras com purl);
  • Indicar percentagem estimada de dimensões (Até A3; A2 ou A1; Maior que A1);
  • Indicar percentagem estimada de encadernados e avulsos;
  • Indicar percentagem estimada de obras com lombada superior a 11 cm;
  • Indicar percentagem estimada de obras em mau estado de conservação, mas que é possível digitalizar, ainda que parcialmente.

ii) Criação de listas de controlo

  • Abater à lista as obras já digitalizadas (com e sem purl – isto é, já digitalizadas, mas ainda não publicadas na BND);

iii) Preparação dos originais

  • Sinalização dos exemplares já digitalizados com mecha amarela nos originais, para não serem entregues à empresa; ver lista de obras com purl e já digitalizadas, mas ainda não publicadas em folha Excel e em pasta partilhada;
  • Carimbagem e paginação em falta;
  • Limpeza, retirar agrafos e clips metálicos;
  • Retirar toda a documentação que não faz parte do documento original: mechas com indicação de ter sido microfilmado, recados, fichas bibliográficas (entregar à pessoa responsável da coleção), fichas com dados de leitura (entregar à pessoa responsável da coleção), folhas brancas intercaladas (?), etc.

iv) Verificação dos originais

Notas para a empresa – adicionar mechas no original com indicações (ver template-notas-empresa para colocar nos documentos) ou colocar mecha a solicitar acompanhamento de um elemento da equipa (mecha “A acompanhar pela Coleção”) Ex: colagens, vincos, várias cotas numa capilha, mapas desdobráveis, etc.

v) Trânsito de obras

  • Entrega de obras no SDCD pela ordem da lista: não incluir obras com mechas vermelhas (péssimos estados), amarelas (digitalizados) e laranja (retirados);
  • Assinalar data na coluna “Data de entrega”;
  • Acompanhamento da digitalização pela empresa (1 efetivo e 1 suplente);
  • Devolução das obras aos depósitos;
  • Assinalar data de conferência/arrumação no depósito na coluna “Data de devolução”;
  • Controlo de Qualidade Digitalização;

Conclusão

No dia 8 de maio de 2023 foi publicado em Diário da República n.º 88/2023, Série II de 2023-05-08 o anúncio do concurso público para aquisição de imagens digitalizadas de documentos das coleções da Biblioteca Nacional de Portugalvi. O contrato, foi dividido em sete lotes:

  • Lote n.º 1 Designação: Manuscritos de Reservados
    Preço Base do lote: 1,699,740.00 EUR;
  • Lote n.º 2 Designação: Impressos (Livro Antigo)
    Preço base do lote: 898,650.00 EUR
  • Lote n.º 3 Designação: Livros de Coro, Cartografia e Iconografia Preço base do lote: 124,540.00 EUR
  • Lote n.º 4 Designação: Manuscritos e Impressos de Música
    Preço base do lote: 104,475.00 EUR
  • Lote n.º 5 Designação: Jornais Microfilmados
    Preço base do lote: 419,055.00 EUR;
  • Lote n.º 6 Designação: Jornais Impressos
    Preço base do lote: 395,670.00 EUR
  • Lote n.º 7 Designação: Manuscritos BPE
    Preço base do lote: 666,050.00 EUR

Relativamente ao lote n.º 3 que integra os formatos de grandes dimensões presentes nas coleções de cartografia, iconografia e música, o concurso ficou deserto, não tendo sido rececionada qualquer proposta. O procedimento vai ser relançado, com reforço de verbas, prevendo-se a sua adjudicação até ao final de 2024.

Com a finalização do projeto a coleção de cartografia passará a disponibilizar na BND cerca de 4 450 títulos o que corresponderá aproximadamente a 62% do universo de títulos (cerca de 7 200 títulos).

Bibliografia

Notas

i. Definição de biblioteca digital: “organização que colige, gere e preserva conteúdos digitais disponibilizando funcionalidades de acesso a esses conteúdos aos seus utilizadores” (Patrício, 2010).
ii. O produto que resultou do projeto está disponível e pode ser acedido através do endereço: http://purl.pt/103.
iii. O sítio Web da BND data de 5 de fevereiro de 2002 e a versão está disponível em:
http://web.archive.org/web/20020205093953/http://bnd.bn.pt/index.html). As versões anteriores continham ligações para as exposições, que conduziam à página da biblioteca digital. Até 11 de maio de 2000, constava do diretório do sítio Web da BNP (http://web.archive.org/web/20000511192235/www.bn.pt/org/bib_dig/index.html).
iv. Neste período foi redefinida uma política de seleção de conteúdos digitais, definidos os critérios e procedimentos técnicos. Documento disponível em: https://purl.pt/resources/PoliticaDigitalizacaoBND.pdf.
v. Os documentos da coleção de cartografia e iconografia estão reunidos na designada Área de Iconografia e Cartografia que resultou da fusão da Área de Cartografia e Área de Iconografia, ocorrida em 2016.
vi. https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/anuncio-procedimento/7250-2023-212665160.